A medicina complementar preconiza um resgate das práticas mais antigas sem desconsiderar os avanços da ciência. Disciplina já faz parte da grade de cursos superiores de Farmácia.
As Práticas Integrativas e Complementares (PICS) são ações em saúde, tratamento e diagnósticos transversais ao modelo médico dominante. Por não causarem efeitos colaterais danosos, as técnicas apresentam bons resultados no controle de doenças como ansiedade, hipertensão, osteoporose, desequilíbrios hormonais, entre outras. Desde 2006, as práticas integrativas foram institucionalizadas no Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). O documento ainda contempla diretrizes e responsabilidades institucionais para oferta de serviços e produtos de homeopatia, medicina tradicional chinesa, acupuntura, plantas medicinais e fitoterapia, além de ter introduzido observatórios de medicina antroposófica, termalismo social e crenoterapia.
A PNPIC foi criada como uma perspectiva consensual e é respaldada pelas diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), que define as PCIS como sistemas que buscam estimular mecanismos naturais de prevenção e recuperação da saúde, com ênfase no atendimento humanizado. “As abordagens complementares proporcionam uma conscientização na relação entre a doença e a saúde. Essa dualidade é imprescindível para o cultivo da proatividade do paciente para com seu auto equilíbrio, já que cria uma responsabilização pelo próprio cuidado. Seja na cura, prevenção ou manutenção da saúde”, completa a farmacêutica terapêutica quântica integrativa Marise Matwijszyn.
Atuando na rede SUS do Recife como Cuidados Clínicos Farmacêuticos Integrativos do Serviço Integrado de Saúde (SIS), Marise comenta que os tratamentos naturais são bem aceitos pelos pacientes. “A eficiência das PICS é comprovada no acompanhamento de exames e nos relatos dos pacientes, observando-se controle das doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, respiratórias, controle glicêmico no diabetes mellitus, etc. O seguimento farmacoterapêutico é acompanhado de atividades terapêuticas grupais meditativas e orientações em saúde para continuidade do tratamento, troca de experiências e estreitamento dos vínculos nas rodas de conversa”, pontua. As PICS têm papel fundamental nos cuidados paliativos. Na média e alta complexibilidade, elas cooperam na redução do estresse e reações adversas da quimioterapia e de tratamentos invasivos. Segundo Marise, as Práticas Integrativas e Complementares deveriam estar presentes massivamente na atenção primária em saúde.
A PNPIC É reconhecida internacionalmente como uma experiência de referência em implantação das medicinas tradicionais e complementares em um sistema nacional de saúde. Desde sua implantação, diversos estados e municípios vêm incluindo estas práticas durante os atendimentos. Em Pernambuco, 122 municípios já utilizam práticas integrativas no tratamento de pacientes do SUS. Contudo, apenas os profissionais que já dispõem de regulamentação dos seus respectivos conselhos podem exercer as PICS.
A atuação do farmacêutico nesta área está regulada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), na resolução nº 585, que habilita as atribuições clínicas do profissional. “Importante parte do trabalho do cuidado clínico farmacêutico, aplicado na Secretaria de Saúde do Recife e recomendado pelo Departamento de Assistência Farmacêutico do Ministério da Saúde, são condutas não farmacológicas. Nelas conseguimos incluir um amplo leque de terapias integrativas, como práticas corporais, respiratórias e meditativas. Há outras práticas que são normatizadas pela resolução nº 586 que regulamenta a prescrição farmacêutica, possibilitando a inclusão do uso racional e consciente de aromas, plantas medicinais, Fitoterapia Chinesa e Brasileira, suplementos, nutracêuticos e florais por exemplo”, explica Marise.
No âmbito das PICS, a atuação do farmacêutico pode se dar nos laboratórios, no ensino, além da sua mais conhecida função que é a presença nas farmácias e drogarias, orientando em relação ao uso correto de medicamentos. “As PICS são ferramentas de grande eficiência para apoiar os pacientes que estão em processo de desmedicalização responsável, por isso são um caminho importante a ser trilhado pela profissão, em benefício da saúde e bem-estar da população”, diz a terapeuta Marise.
Desde a implantação das práticas integrativas e complementares no país, o interesse das pessoas tem crescido. No SUS, são oficializadas 29 práticas, de forma integral e gratuita. Nas atividades de PICS para os tratamentos de saúde, têm-se a visão global do indivíduo em harmonia com a natureza e leis do universo.
A alta demanda da população por PICS e a ampliação das implantações no SUS municipal, incentivar a melhora na qualificação dos futuros farmacêuticos. Um exemplo disso é a disciplina Práticas Integrativas e Complementares, no Curso de Bacharelado em Farmácia da UFPE. Ministrada pela professora Karina Randau, a disciplina eletiva foi ofertada pela primeira vez em 2017 e continua aberta a todos os cursos da UFPE. Na disciplina, os alunos aprendem sobre Medicina Tradicional Chinesa, Ventosa, Massoterapia, Reiki, Aromaterapia, Florais de Bach, plantas medicinais, fitoterapia, Constelação Sistêmica, Meditação, Lian Gong e outras práticas corporais. Além da abordagem introdutória das PICS, os alunos ainda recebem orientações sobre o cenário da Política Nacional da Atenção Básica (PNAB), da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) e dos seus marcos regulatórios.
Segundo a professora, no curso de Farmácia da UFPE ainda não havia uma abordagem mais ampla, que busca apresentar para o aluno a realidade dos atendimentos na atenção básica, dando noções da proposta de acolhimento aos pacientes, e da aplicação de várias práticas integrativas previstas no SUS. “Estamos no momento em que a sociedade espera dos farmacêuticos habilidades clínicas enriquecidas de capacidade relacional com pacientes e entre outros profissionais das equipes de saúde. Os currículos dos Cursos de Farmácia ainda têm lacunas para completar nessa formação em aspectos humanísticos sociais da clínica. Quase todas as práticas integrativas trazem esses conteúdos em seu bojo”, comenta.
Além do desejo de integração das PICS na grade do Curso de Farmácia, a Resolução nº 6, do Conselho Nacional de Educação, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Farmácia, traz a prescrição, aplicação e acompanhamento das práticas integrativas e complementares, de acordo com as políticas públicas de saúde e a legislação vigente. Para Karina, a diretriz fortalece a aplicação das PICS no curso e auxilia a tarefa de concretizá-la no ensino, pesquisa e extensão. “O aprendizado das práticas integrativas fomenta a inserção do alunado no universo que, até então, não era tão focado no curso, devido ao seu caráter mais técnico. Assim, a disciplina traz ao cenário formativo aspectos da vida humana e das problemáticas que nossos pacientes apresentam no dia a dia de um consultório farmacêutico, ajudando na formação do aluno para esse enfrentamento. O ganho é vivencial transformador”, ressalta.
Antes da disciplina sobre as PICS na UFPE, só era ofertada apenas uma cadeira específica sobre uma das práticas, a de Homeopatia. Já amplamente conhecida e trabalhada no ensino e no tratamento, a homeopatia entende que uma dinâmica orgânica e psíquica saudável depende do equilíbrio da energia vital, e que o processo de adoecimento, por sua vez, reflete sua desarmonia. Os medicamentos homeopáticos empregam substâncias dos reinos animal, vegetal e mineral, sob as recomendações da Farmacopeia Homeopática Brasileira (FHB). Toda apresentação farmacêutica destinada a ser ministrada, segundo o princípio da similitude, com finalidade preventiva e terapêutica, obtida pelo método de diluições seguidas de agitações e/ou triturações sucessivas, é um medicamento homeopático, segundo a FHB.
A técnica possui uma abordagem terapêutica de caráter holístico e vitalista que percebe a pessoa como um todo, não em parte, e cujo método terapêutico envolve três princípios fundamentais: a Lei dos Semelhantes; a experimentação no homem sadio e o uso de medicamentos ultra diluídos. Neste sistema, as substâncias disponíveis na natureza têm potencial de curar os mesmos sintomas que produzem. O tratamento homeopático envolve tratamentos com base que buscam desencadear o sistema de cura natural do corpo.
Podendo ser utilizado por qualquer pessoa, de recém-nascido a idosos, a homeopatia pode ser buscada em qualquer situação clínica, tanto nas agudas, como nas crônicas, e contribui ao tratar a pessoa com olhar voltado para a integralidade do cuidado. “Diferente ainda da medicina convencional, que se prende ao medicamento, na homeopatia, o medicamento é uma das possibilidades dentro do tratamento. A homeopatia é uma medicina holística. Então, medicamento homeopático ou não, não será efetivo, se outros fatores que favorecem os estados de desequilíbrio não forem corrigidos ou reorientados. esta atenção com o paciente, quando absorvida por ele será útil para uma vida inteira”, destaca a farmacêutica homeopata Renata Maia.
Para Renata, homeopata brasileiro tem uma oportunidade de desenvolvimento de trabalho o que é invejada no restante do mundo. “Aqui, manipulamos mediante prescrição e com toda a individualização necessária para o atendimento das necessidades do paciente. O farmacêutico homeopata encarou, ao longo dos últimos 25 anos, uma série de desafios e vem passando por eles, de forma elogiável, com o objetivo de manter a homeopatia em alto nível de qualidade e de eficácia”. Os medicamentos homeopáticos necessitam de uma prescrição, feita por profissional habilitado, e de uma atenção farmacêutica que poderá guiar o paciente para a melhor conduta a ser tomada durante o tratamento. O homeopata, se receber as informações necessárias por parte do paciente e dispor do arsenal terapêutico adequado, conseguirá sucesso em sua clínica e isto vem sendo presenciado ao longo dos anos e do contato direto com o paciente de homeopatia.
Comparado a muitos medicamentos alopáticos, adquiridos pelo SUS, medicamentos homeopáticos tem custo reduzido, mas esta não é a maior economia. “A experiência na clínica homeopática mostra que o sucesso terapêutico na homeopatia está na restauração de um estado de equilíbrio do paciente, que evitará o seu retorno, por diferentes queixas relacionadas, ao mesmo mal. Menos retorno, menor custo, menor demanda, maior possibilidade de melhoria na qualidade do atendimento. Todo sistema de saúde tem sempre uma equação difícil de ser resolvida: oferecer um bom serviço a baixo custo”, informa Renata.
Além das vantagens econômicas, a homeopata ainda destaca que para o paciente os ganhos são múltiplos. ” Diferente da medicina convencional, a homeopatia não está fundamentada, centralizada no medicamento. O foco e o centro da atenção do médico homeopata são o paciente e sua condição de adoecimento”.
Confira alguns exemplos de Práticas Integrativas e Complementares (PICS):
Aromaterapia: Prática terapêutica secular que utiliza as propriedades dos óleos essenciais, concentrados voláteis extraídos de vegetais para recuperar o equilíbrio e a harmonia do organismo, visando a promoção da saúde física e mental, o bem-estar e a higiene.
Constelação Familiar: Método psicoterapêutico de abordagem sistêmica, energética e fenomenológica, que busca reconhecer a origem dos problemas e/ou alterações trazidas pelo usuário, bem como o que está encoberto nas relações familiares para, por meio do conhecimento das forças que atuam inconsciente familiar e as leis do relacionamento humano, encontrar a ordem, o pertencimento e o equilíbrio, criando condições para que a pessoa reoriente o seu movimento em direção à cura e ao crescimento.
Hipnoterapia: Conjunto de técnicas que, por meio de intenso relaxamento, concentração e/ou foco, induz a pessoa a alcançar um estado de consciência aumentado que permita alterar uma ampla gama de condições ou comportamentos indesejados, como medos, fobias, insônia, depressão, angústia, estresse, dores crônicas.
Medicina Tradicional Chinesa – (Acupuntura, Auriculoterapia, Ventosaterapia, Moxabustão, Tui Ná, Lian Gong, Tai Chi Chuan, Chi Kun, etc.): São todas tecnologias de intervenção em saúde que fazem parte dos recursos terapêuticos da medicina tradicional chinesa (MTC). Elas estimulam pontos espalhados por todo o corpo, ao longo dos meridianos, por meio dos movimentos corporais, da inserção de finas agulhas filiformes metálicas, da aplicação do fogo e calor (moxaterapia), sucção (ventosaterapia), entre outros. O objetivo é o estímulo ao reequilíbrio energético do organismo na promoção, manutenção e recuperação da saúde, bem como a prevenção de agravos e doenças.
Meditação: Prática mental individual milenar, descrita por diferentes culturas tradicionais, que consistem em treinar a focalização da atenção de modo não analítico ou discriminativo, a diminuição do pensamento repetitivo e a reorientação cognitiva, promovendo alterações favoráveis no humor e melhora no desempenho cognitivo, além de proporcionar maior integração entre mente, corpo e mundo exterior.
Reiki: Prática terapêutica de ampla aplicação, podendo ser utilizada em todos os tratamentos de saúde física e mental. A modalidade mais conhecida é através da imposição das mãos para a canalização da energia universal de cura, visando promover o reequilíbrio energético, necessário ao bom funcionamento do organismo, trazendo bem-estar físico, emocional e mental. Em geral distensiona os locais onde se encontra bloqueios – “nós energéticos” – eliminando as toxinas, equilibrando o pleno funcionamento celular, e restabelecendo o fluxo de energia Vital – Qi.
Terapias Antroposóficas: Prática que amplia a concepção de saúde da Medicina acadêmica buscando uma visão Global do ser humano, considerando além do corpo físico, a vida psíquica e a sua individualidade. Utiliza medicamentos de origem natural e diversas terapias, como massagem rítmica e euritmia.
Terapia de Florais: Prática terapêutica que utiliza essências derivadas de flores para atuar nos Estados mentais e emocionais. A terapia de Florais de Bach, criada pelo inglês Dr. Edward Bach, é o sistema precursor desta prática.
Artigo plublicado na revista Farma News PE (3ª edição).